Eu tenho medos bobos e coragens absurdas. Eu vivo cercada de pessoas por fora da minha bolha egocêntrica, infantil e sensível. Eu vivo à espera daquele momento, mas não sei que momento é esse. Às vezes sinto cheiros e morro de saudades de coisas que já não me lembro mais. Passo metade do dia odiando minha vida e querendo ser sugada pela minha própria insignificância. A outra metade passo rindo do quanto sou dramática e exagerada. Adoro o toque do telefone que quebra o barulho do abandono, a força leve da caneta no papel que pode transformar tantas coisas e o som do carro chegando na chuva para me salvar. Eu adoro ouvir música bem alta. Às vezes, eu gosto apenas da folha em branco, do silêncio, da noite e da janela fechada. Acho tudo o que se refere ao amor extremamente brega. Acho tudo o que não se refere ao amor extremamente infeliz. Sou essa mala monotemática mesmo, chata e obsessiva, mas que ama muito mais do que odeia, apesar de odiar isso.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O País dos chapéus

Nunca mais tinha escrito nada...é que não gosto de postar nada por obrigação, só escrevo sobre o que acho realmente relevante!
Então vamos lá...
Ano de eleição eu já manifestei minha opinião nas redes sociais, mas essa semana lembrei de um texto que lí já há algum tempo; é de Rubem Alves e considero muito pertinente à esse momento.
Deliciem-se...

O País dos chapeus

Vivia num país de céu cor de anil um rei que muito amava o seu povo. Queria que o seu povo fosse feliz. Mas o seu povo não era feliz. Não era feliz porque não era inteligente. A prova de que não era inteligente estava no fato de que aquele povo não sabia e não gostava de ler. O rei passava seus dias e noites pensando: “Que fazer para que meu povo seja inteligente?” E como ele não sabia o que fazer para que seu povo ficasse inteligente o rei ficou triste.

Viviam naquele país dois espertalhões por profissão chapeleiros. Ficaram sabendo das razões da tristeza do rei. E maquinaram um plano para ganhar dinheiro às custas da tristeza do rei. Dirigiram-se ao palácio e se anunciaram: “Fizemos doutoramentos no exterior sobre a arte de tornar o povo inteligente.” O rei ficou felicíssimo. “Por favor, expliquem-me essa ciência”, ele lhes disse. “Majestade, o que é que torna uma pessoa inteligente?” Com essa pergunta abriram um álbum de fotografias. “Veja essas fotografias. Estão aqui as pessoas mais inteligentes da história. Em primeiro lugar Merlin, o maior dos magos. Note que ele tem um chapéu de feiticeiro na cabeça”. Viraram a página e lá estavam as fotos dos doutores de Oxford e Harvard. Todos eles de chapéu na cabeça, pinduricalho pendurado ao lado. “Veja agora”, disseram eles ao virar mais uma página, “o maior general de todos os tempos, Napoleão Bonaparte. Sabe V. Excelência a razão por que ele perdeu a batalha de Waterloo? Um espião inglês infiltrado lhe roubou o chapéu. Sem chapéu ele não pode competir com Wellington, que usava chapéu. E veja agora os grandes gênios da humanidade: Sigmund Freud, Winston Churchill, Santos Dummont, todos com chapéus na cabeça. Os chapéus dão inteligência. Propomos, então, um programa nacional: “Chapéus para todos”! Por pura coincidência somos chapeleiros e teremos prazer em ajudá-lo na sua cruzada contra a burrice. Montaremos muitas fábricas de chapéus e muitas lojas de chapéus. Todos poderão usar chapéus desde que, é claro, o governo ofereça bolsas aos pobres deschapelados”. O rei ficou entusiasmadíssimo e lançou a campanha democrática “Chapéus para todos”. Os “outdoors” se encheram de “slogans”. “É preciso usar chapéu para se ter um bom emprego”. “Prepare-se para o mercado de trabalho: use um chapéu”. “Garanta um futuro para o seu filho: dê-lhe um chapéu!”. Os pais, que queriam que seus filhos fossem inteligentes, faziam os maiores sacrifícios para lhes comprar chapéus. Havia festas para a cerimônia da “entrega dos chapéus”. Perante um auditório lotado anunciava-se o nome do jovem, o público explodia em palmas, ele se dirigia á mesa dos enchapeuzados e lá lhe era colocado um chapéu na cabeça. Os pais diziam então, aliviados: “Cumprimos a nossa missão. Nosso filho tem um chapéu. Seu futuro está garantido. Podemos morrer em paz.”

A indústria chapeleira progrediu. Até as cidades mais pobres anunciavam com orgulho: “Também temos uma fábrica de chapéus...”

Agências internacionais, sabedoras da campanha “chapéus para todos”, trataram de medir os resultados dessa técnica pedagógica. Fizeram pesquisas para avaliar o efeito dos chapéus sobre os hábitos de leitura do povo. Mas resultado da pesquisa foi desapontador. O número de chapéus na cabeça não era proporcional ao número de livros lidos. O Rei ficou bravo. Mandou chamar os chapeleiros e pediu-lhes explicações. “Senhores, o povo continua burro. O povo não lê...” Os espertalhões não se apertaram. “Majestade, é que ainda não entramos na segunda fase do programa. Um chapéu não basta. É apenas preliminar. Sobre o chapéu preliminar as pessoas terão de usar um outro chapéu amarelo, um pós-chapéu. O rei acreditou. Tomou as providências para que todos pudessem ter pós-chapéus amarelos Daí pra frente quem só usava o chapéu preliminar não valia nada. Pra se conseguir um emprego era necessário se apresentar usando os dois chapéus: o preliminar e o pós, amarelo. Mas nem assim o povo aprendeu a ler. O resultado das pesquisas internacionais continuou o mesmo: o povo continuava a não gostar de ler. Aí os espertalhões explicaram ao rei que faltava o chapéu que realmente importava: o chapéu vermelho. Era preciso, então, usar o chapéu preliminar, sobre ele o pós amarelo, e sobre o pós amarelo o pós vermelho.

Aquele país ficou conhecido como o país dos chapéus. Todo mundo tinha chapéu, inclusive os pobres. Os resultados da última pesquisa internacional sobre os hábitos de leitura do povo do país dos enchapelados ainda não foram anunciados. Assim, ainda não se sabe sobre o efeito dos chapéus pós vermelho sobre os hábitos alimentares da inteligência do povo. Mas uma coisa já é bem sabida: de todos, os mais inteligentes são os chapeleiros...

PS: É o que eu penso da idéia de “universidade para todos”.